Caráter, releases e plágio
O que fazer com um jornalista que reconhecidamente se apropriou de textos alheios e os publicou como seus? Em grandes jornais do planeta, o respeito às leis de direitos autorais e os códigos internos de ética jornalística levam repórteres e editores a perder o emprego, de forma voluntária ou compulsória. Em um dos casos mais ilustres, o poderoso The New York Times reconheceu em suas páginas que matérias escritas, ao longo de anos, pelo jornalista Jayson Blair continham algumas informações plagiadas e outras simplesmente inventadas. Em 2003, com a descoberta de seus crimes, Blair foi obrigado a pedir demissão.
Na semana passada, um jornal baiano publicou errata na sua página dois informando que dois textos assinados por um de seus repórteres na verdade haviam sido escritos por um oficial da Marinha Brasileira e publicados, no início do corrente ano, em um informativo da instituição. Surpreendido pela usurpação de seu trabalho, o oficial procurou a redação do jornal pedindo, tão somente, que lhe fosse dado o devido crédito. Resolvida a demanda do autor original dos textos, voltamos à pergunta inicial: o que fazer com o jornalista? Segundo o Código Penal, artigo 184, o crime contra o direito autoral prevê aplicação de multa ou prisão de três meses a um ano. De acordo com o Aurélio, plagiar significa "assinar ou apresentar como seu obra de outrem, imitar trabalho alheio". Diferentemente do NYT, o jornal baiano preferiu manter o repórter em seus quadros, dando-se por satisfeito com a publicação da errata.
Na ânsia de defender o jornalista acusado de plágio, alguns (poucos) de seus colegas argumentam que ele não é o único jornalista da casa a incorrer em erro. Para isso, tentam lançar na vala comum atitudes díspares, como a deficiência de apuração no trabalho de um repórter, a publicação de releases (os textos enviados às redações pelas assessorias de imprensa) e os casos de plágio.
Transcrever erroneamente uma declaração concedida por uma fonte porque não entendeu direito o que foi dito e não houve tempo (ou disposição) para refazer a pergunta é um erro profissional sério, que pode ser rotulado como preguiça, negligência ou incompetência. Em casos extremos, pode levar à demissão, se assim considerar necessário a chefia ou o dono do jornal em que trabalha.
Mas esse tipo de erro não pode ser comparado, nem de longe, à prática de jornalistas que distorcem deliberadamente declarações de fontes para que essas se encaixem na linha de pensamento adotada pelo autor da matéria. Ou do recebimento de benefícios pessoais, como almoços e presentes oferecidos em troca de textos elogiosos, sonegação de informações que prejudiquem seus negócios pessoais, escalação de repórteres dóceis para a cobertura de eventos promovidos por assessorias de imprensa ligadas a jornalistas da casa. Isso é falta de caráter.
O uso de releases (como informação publicada) pelos jornais é um delito grave. Contra o leitor. Quem compra um jornal nas bancas ou recebe em casa o seu exemplar de assinatura espera, em tese, que as informações e conceitos emitidos pelo periódico de sua preferência sejam fruto da observação e da experiência cotidiana dos seus repórteres. Nunca de uma idéia concebida por quem faz assessoria de imprensa. Ao leitor, não interessa se o jornalista recebeu uma cortesia para almoçar em um restaurante caríssimo. Ele quer saber se a peça de teatro que ele pretende assistir vale a pena, se a implantação de uma fábrica na sua cidade vai melhorar ou não sua vida, se o prefeito está agindo corretamente ao liberar barracas na areia da praia. Assessores de imprensa nunca vão reclamar da publicação literal de seus textos. Isso é tudo o que querem.
Mas quando o jornalista ultrapassa o limite do plágio, afeta não apenas a credibilidade de um jornal junto aos seus leitores ou a honra de seus colegas de redação, que passam a ser julgados pelas fontes sob a mesma ótica do plagiador. Ele passa a roubar. Toma como seu um trabalho que foi desenvolvido por outro. Jornais que prezam pela sua credibilidade não podem ser lenientes com quem comete crime autoral. É um péssimo exemplo para quem está saindo das faculdades e viu colegas levando zero dos professores por terem copiado trabalhos da internet.